sábado, dezembro 24, 2005

Reflexos de Nada

Palavras soltas, sem sentido, peças aglomeradas, postas como por acaso, assim como a espuma na borda do mar, afastada pelas ondas saudosas, que perderam a força do desatino que emanavam quando a juventude percorria a sua essência, e não havia ainda quem soubesse da guerra ou do amor. Melancolia, apenas, cobre esse mar ladeado de espuma gasta, cansada pelos séculos que lhe passam despercebidos.

Assim, frases, carentes de nexo, de vida, de algum sentimento que não a inércia, o desejo de continuidade. Sem qualquer emoção, como aqueles olhos que espelham algo que não é dor, não é alegria, não é qualquer sentimento que não o vazio. Reflexos de nada, luzes que cegam para além da visão, que confundem e enlouquecem, fazendo aspirar, finalmente, ao infinito, a algo que se encontre mais além, que seja mais real que apenas palavras soltas, escritas ao vento de algum Inverno perdido, que nunca ninguém quis recordar, esquecido, no inconsciente. Mais real que isto que agora sou, que hoje sinto e sei que amanhã vou esquecer. Assim, olhares soltos, pensamentos desprendidos, desprovidos de qualquer sentido, que descem mais baixo procurando o verdadeiro eu que, afinal não é aí que se encontra, mas nalgum lugar que já ninguém conhece, assim como o Inverno que se perdeu, o pensamento que se deslocou, a alma que voou mais alto, tão alto que a vida não a pode alcançar, tal como um balão de ar quente que foge à realidade, se cruza nas nuvens e voa, por fim, para a luz eterna, que cega, que acorda, que atormenta e dá vida.

São pois, pensares e dizeres que nada transmitem. Sem emoções, sem sentimentos, sem qualquer lampejo que permita descobrir que língua fala o meu olhar, que alma (?) se esconde detrás do corpo moribundo que vagueia dia após dia, nos sítios do costume, com aquele sorriso do costume.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Embriagada


Abraças o silêncio,
E escondes-te na noite.
Foges embriagada,
Cansada, desesperada.
Corres pelos becos,
Vagueias nos passeios,
Procuras um consolo
Na noite densa.
Esperas pelo descanso
Até que o dia nasça
Até que possas ver o Sol de novo.

Sem pudor gritas na rua.
Gritas por tudo quanto te faz sofrer
Gritas porque ainda dói
Gritas porque não consegues esquecer.
E ris sem parar,
Gargalhadas tristes,
Um latido de melancolia,
Que depressa se torna em pranto.

Choras, mas não desaparece
Magoas-te, mas a outra dor é maior
Calas-te, finalmente,
Mas este silêncio dói mais que quaisquer palavras.

Enfim, encostas a cabeça.
Lembras-te, então,
Que daqui a três/quatro horas o Sol nasce.

§

terça-feira, dezembro 06, 2005

Não... não vou por aí...

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Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Ha, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os bracos,
E nunca vou por ali...

A minha glória e esta:
Criar desumanidade!
Nao acompanhar ninguem.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mae

Nao, nao vou por ai! So vou por onde
Me levam meus proprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vos responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por ai...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus proprios pes na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstaculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avos,
E vos amais o que e facil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes patria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filosofos, e sabios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e canticos nos lábios...

Deus e o Diabo e que guiam, mais ninguem.
Todos tiveram pai, todos tiveram mae;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que ha entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguem me de piedosas intenções!
Ninguem me peça definições!
Ninguem me diga: "vem por aqui"!
A minha vida e um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um atomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por ai!

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José Régio

terça-feira, julho 26, 2005

Shhh...

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Não contes porque morri
Não digas a verdade
Nunca digas que houve um nós.
Cobre-me para que ninguém veja
Um lágrima fria escorrer-me no rosto
Não digas que foi por ti que morri
Não digas que foi por ti que chorei todas as noites
Não digas que foi por ti que dias e dias me calava.
Não.
Não deixes que ninguém saiba de nós.
Diz apenas que morri,
Que estava cansada de viver,
Que não suportava mais,
Mas não digas que não suportava a tua ausência.
Não contes como me lembro do dia em que nos conhecemos
Não reveles que recordo cada momento com um sorriso
Não digas como me irritavas
Não digas como te amava.
Diz apenas que adoeci e morri
Que estava pálida pelos ares
Que chorava pelo tempo.
Mas não digas que era o tempo em que não te via.
E não me toques mais uma vez,
Deixa que a saudade me domine até ao fim.
E quando morrer,
Não digas a ninguém que foi por ti.

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