sexta-feira, abril 30, 2010

Falta de si

Já não consigo escrever. As letras maçam-me.

As palavras cansam-me e as frases telegráficas impedem-me de pensar. Simples, organizadas, explícitas, turvam-me o cérebro porque ele funciona de outra forma. As simbioses múltiplas não se mostram, escondem-se na aparência da clareza.

Não podes ser clara. As feridas complicam tudo.

Tenho saudades dos textos longos e desconexos, dos significados obscuros de cada palavra, que ninguém podia ler da mesma maneira que eu. Das horas para os compreender. Dos minutos em que os escrevia. Dos dias em que os relia. Do tempo, do tempo, do tempo que já não mora aqui.

Faz-me falta a esquizofrenia sincrónica. As palavras difíceis que não entendia, e as simples que faziam mais sentido. Do idiota e de Raskólnikov e o pobre jogador... eram iguais, conseguiste compreender? Afundados neles mesmos, o teu próprio naufrágio, afundares-te em ti mesma, pleonasmo, pleonasmo. Eles também perderam a confiança e as mãos tremiam-lhes, castigados para sempre pela falta de si. As palmas e os dedos sempre suados. Falta de si: o único crime, o pecado capital.

Mas não consigo pensar e as frases terminam antes de começarem. Os olhos estão cansados e não penso que seja das lentes de contacto. Perdi a confiança, perdi as letras, perdi-te a mim.

Faltei-me a mim. Perdi.