quinta-feira, julho 27, 2006

quarta-feira, julho 19, 2006



Quem me dera que fosses fumo.

Fazer com que partisses era só abrir a janela.




terça-feira, julho 18, 2006

As bombas de napalm

Fala do Velho do Restelo ao Astronauta

Aqui na terra a fome continua
A miséria e o luto
A miséria e o luto e outra vez a fome
Acendemos cigarros em fogos de napalm
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizémos de ti a prova da riqueza.
Ou talvez da pobreza, e da fome outra vez.
E pusémos em ti nem eu sei que desejos
De mais alto que nós, de melhor e mais puro.
No jornal soletramos de olhos tensos
Maravilhas do espaço e de vertigem.
Salgados oceanos que circundam
Ilhas mortas de sede onde não chove.
Mas a terra, astronauta, é boa mesa
(E as bombas de napalm são brinquedos)
Onde come brincando só a fome
Só a fome, astronauta, só a fome.
José Saramago


Guernica, Pablo Picasso

E quantas mais bombas? Quantos mais inocentes? Quantas vidas desperdiçadas?
Quantas crianças mortas, espalhadas pelo chão?
Até quando, a miséria, a fome?


(Para quando Velho do Restelo, para quando a tua apocalíptica profecia?)



domingo, julho 16, 2006

Em nome do Amor Puro

Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa não é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que eu quero fazer é o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Teixeira de Pascoaes meteu-se num navio para ir atrás de uma rapariga inglesa com quem nunca tinha falado. Estava apaixonado, foi parar a Liverpool. Quando finalmente conseguiu falar com ela, arrependeu-se. Quem é que hoje é capaz de se apaixonar assim?

Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática.
Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato. Por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.


Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há. Estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia,são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem,tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides,borra-botas, matadores do romance, romanticidas.

Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o medo, o desequilíbrio, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?


O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade.

Amor é amor. É essa a beleza. É esse o perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A"vidinha" é uma convivência assassina.

O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente.

O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que
não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita. Não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar. O amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.

Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder, não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Miguel Esteves Cardoso

Ouvi isto na Revolta dos Pastéis de Nata e até fiquei parva.
Adoro este texto,
mas já não o lia há muito tempo.

After a while

After a while you learn
The subtle difference between
Holding a hand and chaining a soul
And you learn that love doesn't mean leaning
And company doesn't always mean security.

And you begin to learn
That kisses aren't contracts
And presents aren't promises
And you begin to accept your defeats
With your head up and your eyes ahead
With the grace of a woman
Not the grief of a child

And you learn
To build all your roads on today
Because tomorrow's ground is
Too uncertain for plans
And futures have a way
Of falling down in mid flight

After a while you learn
That even sunshine burns if you get too much
So you plant your own garden
And decorate your own soul
Instead of waiting
For someone to bring you flowers

And you learn
That you really can endure
That you are really strong
And you really do have worth
And you learn and you learn
With every good bye you learn.

Veronica A. Shoffstall

sábado, julho 08, 2006

« Que me saiba perder... para me encontrar »

Florbela Espanca

quinta-feira, julho 06, 2006

Brain: Wa(t)ch

Cérebro dormente e sempre a mesma música de fundo. Suspiros de vazio, ódios de riso e aquele cheiro a falso. As telenovelas e a publicidade, cada vez mais criativamente nojenta. E os programas dos tais «especialistas em tudo» que criticam tudo e mais alguma coisa e têm soluções para tudo, respostas sempre debaixo da língua. Como é que não estão no governo?

E a democracia asmática, sufocada pelos gritos estridentes da intolerância e da hipocrisia que se enterlaçam no belo aparelho a cores. Que revolucionários xenófobos são estes? Que libertadores amedontrados? Que jornalistas parciais que lançam sempre o seu sorriso sarcástico, que reforçam sempre as «tais» palavras?

E novelas e mais novelas. Sempre as mesmas histórias, os mesmos filmes, que já nem vale a pena falar. O humor explosivo que acaba sempre por cansar. As meias verdades que precisam de ser ditas a bom tom, as mentiras encobertas, denunciadas e relativas. Em que é que se pode acreditar? As mesmas expressões em todo o lado que, de repente, entram na moda e ficam sempre bem dizer!

Sim, e o resto lá fora. Montra da realidade, vitrina suja, tudo o que parece ser. Porque nada é, tudo parece. A vida de frenesim, sem tempo para pensar. Será preciso? Agora, tudo nos é ditado pelo plasma panorâmico e afins. Não, não apenas as notícias, o que acontece fora dos nossos 100 metros de vida diária. Mais além. O que somos, o que pensamos, o que está certo e errado, o que devemos ser e condenar, o que usamos e os nossos belos supostos e pressupostos. (No outro dia, recebi a magnífica notícia de que a cannabis duplica as hipóteses de acidentes rodoviários, quando acompanhada de álcool. Olha, que novidade...! Porque não disseram antes que o álcool duplica as hipóteses de acidente quando já há neurónios a menos?)

E a alegria roubada, as ruas vazias, numa qualquer falta de ânimo ou vontade, iludida por um breve Mundial de entusiasmos desmedidos. E depois, o mesmo. O patriotismo forjado desaparece e, muito mais importante do que isso, evapora-se a alegria espontânea, o desejo incontrolado de celebrar a vida e viver, a empatia, o convívio. Para voltarmos aos nossos cubículos...

As cidades que já não são o que nunca foram, as aldeias tão transformadas, desertas e tão cheias de coisas alheias. A aldeia global e tudo cada vez mais perto, mas porque será que a maioria de nós nunca pôs os pés além da Espanha? Para já nem me estender para aqueles que - a cada s-e-g-u-n-d-o - morrem à fome em África ou na Índia...

E os direitos adquiridos que nos parecem arrancar a cada discurso - não só por cá! - em palavras que se perdem pela contenção e pelo défice. A união que parece não se fazer sentir, contradizendo os tão bem intencionados livros de História. Que história? His story? Quem, que se perdeu?

Mas, tudo envolto numa bolha espelhada. Sempre nos vimos apenas a nós próprios. Deformados e indiferentes.

domingo, julho 02, 2006

"Os loucos abrem os caminhos que depois emprestam aos sensatos."

Carlo Dossi