terça-feira, março 27, 2007

Se me abraçares, não partas.

«Se partires, não me abraces - a falésia que se encosta
uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre
e sonha com viagens na pele salgada das ondas.

Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão
das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;
mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,
porque o ar que respiras junto de mim é como um vento
a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces -

o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno
nos dias sem ninguém - longe de ti, o corpo não faz
senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta
as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto
espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.

Se me abraçares, não partas. »

Maria do Rosário Pedreira, O Canto do Vento nos Ciprestes

Tinha saudades deste poema.

domingo, março 11, 2007

Vai, que o mundo já não é teu

O corpo torpe, a cabeça pesada. Os membros cansados, os olhos a quererem fechar. E ainda não dormi nada. Parecem-me anos, todo o tempo que aqui passei, enclausurada dentro de ti. Os raios de Sol já rasgam o quarto, os olhos ardem de sono e de vergonha.

Pisaste-me os nervos e nem quis acreditar quando fechaste a porta. A tua mania de bateres sempre com a porta, de quereres sempre que a tua partida seja notada, sofrida, ruidosa. Será que ainda não descobriste que já não me consegues tocar, que os teus gritos são meros suspiros que se perdem a meio da vontade? E a tua essência perdeu-se em mim, um odor indiferente, uma voz sem timbre, sem agudos nem graves, palavras sem sentido, sem sentir, palavras como ruído que não me consegue trespassar.

Lava-me a alma. Ainda cheiro a noite e a água não consegue arrancar de mim o cansaço ou a dor. Despoja-me de culpa, arranca-me a indiferença, as vestes que sempre me cobriram. Proteger não é abafar. Acolher não é esconder, disfarçar.

E vai, que o mundo já não é teu. Já não há nada aqui que possas magoar ou prender. Amparar ou esconder. Podes bater com a porta, ou deixar a janela aberta. Sei que ainda te lembras de como tenho sempre frio e medo dos fantasmas, mas já não me importo. É hora de me mostrar forte por outro caminho, que este cheira a podre e não há nada que me possa salvar. Salva-te a ti mesma, dirias tu. Mas na impossibilidade de fugir, sei-me perdida em algo que nunca foi meu, aspiração ilusória de ser, de querer sentir. A simbiose inalienável de sentir e sofrer. Existência e dor. O pedaço que me falta. Envolver-me e partilhar.

Mas podes partir, que este já não é o teu mundo. Encontra algum que possas trespassar, que possas voltar a ferir. Um que possas salvar, mesmo que nunca o faças.

terça-feira, março 06, 2007

Dar-nos é envolver-nos.
Dar-nos é a única maneira de viver.
Partilhar é sentir.
Partilhar implica mais do que uma parte.

E só agora é que isso me veio à cabeça.