sábado, dezembro 23, 2006

Nadas decompostos

Perdemo-nos na neblina de mais uma alvorada. Estava frio e as ruas eram mantos brancos. Tínhamos as mãos geladas e não conseguíamos pensar. Tu dizias que era da temperatura, eu tinha a certeza que era da emoção; mas havia de certeza qualquer coisa que nos arrepiava e entorpecia os membros.

Nunca quiseste acreditar e fizeste-me esquecer de tudo quanto um dia não fomos. Evaporam-se os sonhos e ainda me lembro quando contava os dias para o Natal... Tudo o resto pode desaparecer nas armadilhas da memória, mas isso há-de ficar. Um sorriso de verdade e a pureza (que agora me cái aos bocados como carne podre - e já nem sangro!)

Nunca foi completa, nunca o pôde ser, mas sempre foi demasiado ingénua. E cái a pureza, fica a ingenuidade nua e arranhada - agora, estupidez - que se transforma tão rapidamentes em algo um pouco (mais) cruel. Não é o ódio que borbulha nas entranhas já podres, mas um plácido sorriso de indiferença.

Perdemo-nos na neblina de mais uma alvorada. Porque nunca fomos de mãos dadas. Hábito de orgulho, se calhar era por isso que tínhamos sempre as mãos geladas... E por mais que decomponha todos os instantes, é difícil recordar-me de alguma coisa. Só de um sorriso, e sei bem que não era o meu. Mas lembro-me que contava os dias para o Natal e gostava de rondar a árvore para descobrir o que estava dentro dos embrulhos. Nunca cheguei a descobrir, nem aquele que tinha o papel rasgado na ponta. E um sorriso que não era o meu. Confundo os momentos, anos baralhados, mas disso tenho a certeza. Como tenho a certeza do teu sorriso, mas acho que já o disse...

E chegaram a falar-me de uma chama verde, verde de esperança, orgulhosamente acesa. E quis acreditar. A crença é a vontade. Mas todos esses pedacinhos de coisas nenhumas um dia hão-de juntar-se e fazer qualquer sentido. Por agora, ninguém disse que tinha de ter algum sentido, alguma razão de ser, razão de acontecer. Coicidências perfeitas. Acaso. Desiquilíbrio até à exaustão.

Mas tu sabes bem que existem tantos caminhos como linhas quebradas e que destino é uma palavra vazia. Mais uma ilusão. E só nos resta a esperança. Perdemo-nos na neblina de mais uma alvorada. Devíamos era aprender a sorrir com a alma.

Mesmo assim, ainda te peço que me ensines a dar as mãos.



9 comentários:

Alien David Sousa disse...

Gostei bastante deste texto Diana.
Só uma coisa. Se ele nunca te deu a mão, porque motivo ainda lhe pedes que te o ensine? Não lhe peças nada, nem esperes que ele te peça.Pega-lhe naturalmente na mão.
Beijos alienígenas

a_mais_fofa disse...

Muito lindo este texto...
Gosto muita da forma como escreves... e identifico-me, porque também eu sou capaz de pedir a mão a quem já ma negou...

Diogo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Diogo disse...

Já vivi perdido em lindos cenários verdes..
Pode doer!! Não recomendo..
Mas nestes loongos dias que passo pr'aqui enfiado
de volta de coisas lindas como a analise matemática (cof, cof),
ler bons rasgos de lírismo é bom para calar esta parte de mim que insiste em
resistir a sobreviver vivendo do concreto (e que chata que ela consegue ser!)
agradeço siceramente o teu contributo para a minha alma não ficar quadrada!
*bjs! ;}

vida de vidro disse...

Enquanto resta a esperança, nada está perdido.
O teu texto é belo e muito lúcido. **

Unknown disse...

O tal mundo de constantes ilusões em que as vezes nos inserimos, e mal...

Já vai longe este teu texto, mas ainda com tempo suficiente para dizer que está muito bom!xD
Bem colocado, de acordo com a época em questão!

Anónimo disse...

Texto violento Diana, cheio de garra, desespero, terminando serenamente a contrariar a pouca fé no destino.
O penúltimo paragrafo está sublime. Gostei muito de te ler... vai sendo hábito:)

J. disse...

gostei...tá forte e sensível! é impossível dissociar ambos, força e sensibilidade, tal como é difícil às x mostrarmo.nos a alguém, expormo.nos...ms faz bem!

StupiDreamer disse...

«E chegaram a falar-me de uma chama verde, verde de esperança, orgulhosamente acesa. E quis acreditar.»
:X
Onde largámos as mãos?em que parte do caminho? Mais uma alvorada..