Changing Colours
«Se soubéssemos quantas e quantas vezes as nossas palavras são mal interpretadas, haveria muito mais silêncio neste mundo.»
quinta-feira, novembro 03, 2016
Aquele instante em que...
quarta-feira, outubro 19, 2016
terça-feira, abril 21, 2015
Reminiscências de Miltown Malbay
Nas terras perdidas no tempo choram-se os mortos e as tascas e cafés fecham as portas mal o sol de inverno se põe. Nos lugarejos deixados ao deus dará as pessoas são mais antigas e juntam-se dentro de portas para cantar o choro dos que partiram, com um copo de água ardente na mão direita. São cantos alentejanos numa língua universal que arrepiam os pelos dos braços e nos lembram que o povo é só um. As horas demoram mais e o luto acompanha-nos durante as madrugadas dos dias, das semanas, dos meses e dos anos sem termo.
segunda-feira, abril 06, 2015
um brinde...
quinta-feira, janeiro 22, 2015
a propósito dos planos
terça-feira, julho 15, 2014
Eles andam de mãos dadas
quarta-feira, março 28, 2012
É tão bom começar um novo livro
quarta-feira, setembro 07, 2011
quarta-feira, abril 20, 2011
sábado, janeiro 15, 2011
One Art (we will all master)
The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.
Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.
Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.
I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.
I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.
--Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.
Elizabeth Bishop, One Art
segunda-feira, novembro 15, 2010
domingo, novembro 14, 2010
sábado, setembro 18, 2010
sábado, junho 12, 2010
sexta-feira, junho 04, 2010
segunda-feira, maio 31, 2010
Estado Decisivo
(Eu sou mais estado gasoso. Expando-me demasiado e prefiro temperaturas altas.)
Insatisfação
terça-feira, maio 04, 2010
sexta-feira, abril 30, 2010
Falta de si
As palavras cansam-me e as frases telegráficas impedem-me de pensar. Simples, organizadas, explícitas, turvam-me o cérebro porque ele funciona de outra forma. As simbioses múltiplas não se mostram, escondem-se na aparência da clareza.
Não podes ser clara. As feridas complicam tudo.
Tenho saudades dos textos longos e desconexos, dos significados obscuros de cada palavra, que ninguém podia ler da mesma maneira que eu. Das horas para os compreender. Dos minutos em que os escrevia. Dos dias em que os relia. Do tempo, do tempo, do tempo que já não mora aqui.
Faz-me falta a esquizofrenia sincrónica. As palavras difíceis que não entendia, e as simples que faziam mais sentido. Do idiota e de Raskólnikov e o pobre jogador... eram iguais, conseguiste compreender? Afundados neles mesmos, o teu próprio naufrágio, afundares-te em ti mesma, pleonasmo, pleonasmo. Eles também perderam a confiança e as mãos tremiam-lhes, castigados para sempre pela falta de si. As palmas e os dedos sempre suados. Falta de si: o único crime, o pecado capital.
Mas não consigo pensar e as frases terminam antes de começarem. Os olhos estão cansados e não penso que seja das lentes de contacto. Perdi a confiança, perdi as letras, perdi-te a mim.
Faltei-me a mim. Perdi.
quarta-feira, março 24, 2010
sexta-feira, março 19, 2010
Espelho meu, espelho meu
Digo eu todos os dias quando acordo e me olho ao espelho.
terça-feira, março 02, 2010
domingo, fevereiro 07, 2010
sexta-feira, janeiro 29, 2010
Radar fora de horas
Temos de cuidar do mundo apesar de tudo.
(Ou será ao contrário?)
domingo, janeiro 24, 2010
Quero aprender a deixar de escrever em itálico
A vida dos outros não me satisfaz.
Tenho a alma espigada.
domingo, janeiro 17, 2010
terça-feira, dezembro 29, 2009
domingo, dezembro 13, 2009
Aqueles queridos versos
A time of innocence, a time of confidences
Long ago, it must be, I have a photograph
Preserve your memories, they're all that's left you
terça-feira, outubro 13, 2009
Rádio Zero cria Radio Futura para o Festival Future Places
A programação conta com uma série de programas especiais, seleccionados após concurso internacional, englobando programas pré-gravados e em directo, e trazendo produções de vários pontos do mundo: Nova Zelândia, Macedónia, Berlim, Japão e Estados Unidos da América.
Serão também emitidos vários programas em directo a partir do Porto, quer como intervenções sonoras na cidade, quer em concertos especiais para o Radio Futura ou os concertos do Festival Future Places. Serão 4 dias de emissão no total, desde as 9 horas de quarta-feira à meia-noite de sábado.
A Radio Futura é uma proposta de um futuro possível para a rádio, constituída por programas de autor, experimentalismo, concertos e uma aposta no dinamismo das culturas locais. Insere-se no Festival Future Places, dedicado aos Meios Digitais e Culturas Locais e organizado pela Universidade do Porto com a Universidade do Texas, ao abrigo do programa Austin-Portugal.
A Rádio Zero é um meio criativo que privilegia o livre espírito e a experimentação cultural, sendo composta unicamente por voluntários. Está sediada no Instituto Superior Técnico e emite 24/7 na Internet, orgulhando-se de ser neste momento a rádio do país com mais programas de autor.
Links associados:
http://www.radiozero.pt
http://www.futureplaces.org
http://radiofuturaporto.wordpress.com/
Queria estar no Porto, pá!
sexta-feira, outubro 09, 2009
segunda-feira, setembro 28, 2009
domingo, setembro 27, 2009
The lost art of missing something
It works both ways.
quinta-feira, julho 02, 2009
Chema Madoz
- Quer dizer que estás um bocado maluco.
domingo, abril 12, 2009
O regresso às origens - 7 meses depois.
«Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.
Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada nova madrugada, numa revirgindade perpétua da emoção - isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que imperfeitamente somos.
Esta madrugada é a primeira do mundo. (...) Amanhã o que for será outra coisa, e o que eu vir será visto por olhos recompostos, cheios de uma nova visão.
(...) e há saudades desconhecidas na paisagem.»
quinta-feira, dezembro 25, 2008
Espírito anatalício
sábado, dezembro 20, 2008
Em mono.
(E a inconveniência dos clichés.)
A irrealidade real de estar de volta. A consciência de que não é de vez.
As palavras opacas. O pesar de escrever. As frases monossilábicas. Monoemocionais.
Monossentimento.
*
Estar de volta. De volta ao mesmo. É o mesmo. O Mesmo.
As pessoas continuam aqui, vivem devagar. Não há vertigens, antes a lucidez da continuidade e a abstracção do quotidiano. As formas mantém-se, os gestos perduram, e as palavras são as mesmas da partida. As mesmas. Iguais.
Conforto ou ansiedade?
De qualquer forma, é impossível partir sem ficar.
sábado, outubro 11, 2008
Seis meses depois...
terça-feira, abril 22, 2008
terça-feira, março 25, 2008
sábado, março 22, 2008
domingo, março 09, 2008
segunda-feira, fevereiro 18, 2008
domingo, fevereiro 03, 2008
Pensativo, o senhor
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,
Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,
No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.»
José Saramago
quarta-feira, janeiro 23, 2008
sábado, janeiro 05, 2008
Eternal Sunshine of the Spotless Mind
How happy is the blameless vestal's lot!
The world forgetting, by the world forgot.
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray'r accepted, and each wish resign'd
Eloisa to Abelard, Alexander Pope
sexta-feira, dezembro 21, 2007
segunda-feira, dezembro 17, 2007
quinta-feira, dezembro 13, 2007
quarta-feira, dezembro 12, 2007
Dói-me o peito.
O vento são lâminas que te cortam a respiração, refugias-te na lã do casaco e das luvas pretas. A neblina percorre-te o corpo e as possibilidades são demasiadas, ilimitadas; uma esquina, uma loja, um banco, um olhar. Quantos metros até ao descanso? Exaustão de formas, exaustão de procuras, olhos cansados. Fadiga. Excesso. Pleonasmo. Círculos imperfeitos na sua origem, quantas demandas, quantos pedidos? Palavras perdidas no horizonte. Será que chegam ao teu? Quantos metros até ti? Quantos passos e quantas esquinas? Perco-te em mais um dia de quase vida. Quantos quase cruzares? Quantos quase encontros? Chove em mim e não sinto a água que escorre dos carros, dos prédios e das árvores. Chove em mim e não sinto sequer o espirro que me foge. Chove em mim e esqueço-me de te procurar. Perco-me.
terça-feira, dezembro 11, 2007
A família
As crianças haviam de ser separadas dos pais desde a mais tenra idade. Os próprios pais haviam de ser separados um do outro desde a mínima ternura. Só assim é que o amor poderia crescer e a família continuar.
Há algo de promíscuo na maneira como as famílias vivem. As pessoas vivem umas em cima das outras. São obrigadas a ver o mesmo canal de televisão, a comer o mesmo arroz de polvo, a ouvir as mesmas discussões, a ver os mesmos roupões e até a cheirar o mesmo chulé dos mesmos chinelos anos 40 do avô.
É pouco saudável. Não admira que toda a gente queira bater a asa à primeira oportunidade. À ganância. Para cair noutro ninho, com outro marido e outros filhinhos, mas ainda pior. É por estas e por outras que as famílias se separam cada vez mais - porque não podem viver juntas.
Tenho para mim que o homem, como a mulher, não nasceu para viver em grupo. Uma casa de banho, por exemplo, jamais se deveria partilhar. Não dá jeito. É embaraçoso. Faz prisão de ventre. Defecar é um direito básico, a cujas sequelas atmosféricas ninguém deveria estar sujeito. Sobretudo em casas de banho interiores.
Se se quer conservar a família, é preciso mantê-la afastada. Mesmo contra a vontade. A separação cria saudade. A distância facilita o respeito. Marido e mulher deveriam ser obrigados a convidar-se diariamente para jantar. As refeições obrigatórias sabem sempre mal. O convívio forçado à mesa - "Passa a hortaliça, não tires macacos do nariz" - não é uma prova de amor, é um refeitório de penitenciários.
A partir dos 6 ou 7 anos, as crianças necessitam de uma casinha própria, onde o acesso de adultos esteja vedado, excepto em casos de incêndio, varíola, consumo comprovado de vodka, et caetera. Em suma, as crianças precisam de um apartamento separado, onde se possa escrever nas paredes, fazer barulho, torturar animais de estimação, disparar pressões de ar e tudo o mais. A família ideal é um complexo habitacional com, três chaves. Digamos um 2.º andar Esquerdo, Frente e Direito. No Esquerdo mora a Mãe. No Frente moram os filhos e a criada. No Direito mora o Pai. Para efeitos, de controlo, todos têm a chave uns dos outros, mas só para casos de emergência, porque são todos obrigados a tocar à campainha antes de entrar. Excepto, em casos urgentes de carência de carinho ("Ó Pai, está uma bruxa atrás das cortinas") ou de.ciúme ("Maria José, Maria José -com quem é que estás a falar?")
Cada apartamento pode ter, apenas uma assoalhada. Mais vale viver em três T1’s separados na Reboleira do que tudo a monte numa enorme casa de família no Estoril. As pessoas precisam de estar sozinhas, de curtirem e curarem as suas neuras na maior privacidade, de ouvir as músicas de que gostam sem chatear os outros, de se escaparem, de se fazerem caras e rogadas, de receber as pessoas de quem mais ninguém na família gosta.
Só separada é que a família pode sobreviver. Contígua mas não comunitária. Adjacente mas não a jazente. Se um casal for impelido, por razões habitacionais, a tocar à porta, a levar flores, a convidar para jantar, a fazer a corte para poderem dormir os dois juntos, o amor pode durar muitíssimo mais. Uma família que tenha três moradas é feliz. Pode escrever cartas, pode trocar postais.
O horror da família é a proximidade. É horrível quando os pais ouvem os filhos a fazer concursos de puns, quando os filhos ouvem os pais a gemer e o colchão a guinchar, os gritos de "Não! Não! Sim !" e depois o inevitável chapinhar do bidé. É indecente quando a mulher é obrigada a dormir ao lado de quem quis ainda há pouco esfaquear e que ainda por cima está a ressonar que nem um porco. Cada qual com a sua banda sonora - eis o lema familiar do futuro. O hino quotidiano das famílias portuguesas, que consiste na audição comunitária do barulho do autoclismo não é, nem nunca será, um cimento de solidariedade. Para uma família ser feliz, é necessário haver sedução. Os filhos têm de ser charmosos para encantar os pais, os pais têm de se esforçar para educarem convincentemente os filhos. E marido e mulher, caso queiram permanecer juntos, têm de passar a vida inteira a engatar-se. O mal da família é a facilidade. É pensar que aquele amor já é um assunto arrumado.
O segredo é conviver em vez de coabitar. A família feliz constitui-se por vizinhos apaixonados, por condóminos de sangue, por um poligrupo sentimental. As pessoas só estão juntas quando querem estar. Só partilham o que querem partilhar. Passam a vida a entreconvidar-se. Os pais aliciam o filho: "Ouve lá - se nós te comprarmos uma Harley Davidson, não queres vir até ao Jardim Zoológico connosco?" Os filhos dão a volta aos progenitores: "Ó Pai, o vídeo está avariado, conta-nos uma história." O marido alicia a mulher: "Vá lá, Maria José - fica comigo hoje à noite. Tenho caviar e champagne no frigorífico, comprei o compacto do primeiro LP dos Smiths e a empregada mudou hoje os lençóis... e juro que amanhã de manhã eu também me levanto cedo e vou contigo ao oftalmologista..."
Uma família que é obrigada a convencer-se, a seduzir-se, a respeitar-se mutuamente é uma família que pode durar para sempre. Família maçada acaba despedaçada. O mal da família é um problema de má-criação e de falta de respeito. Os familiares mostram-se incapazes de viver com civilidade, gritam, insultam-se, abusam do seu poder.
Se um miúdo, quando leva um estalo, puder fechar-se uma semana no seu apartamento a ouvir heavy metal a altos berros; se uma mulher, quando o marido a chatear, puder puxar da agenda de solteira e passar a resto do dia a fazer telefonemas a ex-namorados; se um marido, maltratado pela mulher, tiver uma sala onde possa receber os amigos, para jogar à lerpa, beber água-pé e visionar videocassetes da Cicciolina, o conflito desagudiza-se naturalmente.
É uma questão puramente arquitectónica. Mais tarde ou mais cedo, como é regra do amor, as saudades superam os ressentimentos e as campainhas recomeçam a tinir, e os "desculpa lá" recomeçam a ressoar. As pazes fazem-se de livre vontade. Os beijinhos dão-se de bom grado. A família reúne-se, no verdadeiro sentido da palavra. E reina a concórdia.
Na versão actual, exceptuando as famílias que vivem em grandes mansões com tantas alas e governantas que os membros só se vêem a hora de jantar, a família portuguesa é um convite à promiscuidade. Os pais reprimem os filhos, querem sempre ver o canal errado, insistem em comer carapaus grelhados, obcecam-se com a conta da luz, não adormecem até chegarem as crianças e por isso dormem pouco e por isso contraem doenças nervosas e por isso culpam os filhos. Os filhos, por sua vez, são indiferentes ao amor dos pais, ingratos, insolentes, intratáveis, gastadores inveterados e, ainda por cima, profundamente infelizes.
Nas situações mais extremas de proximidade familiar, ou seja nas barracas, os homens batem nas mulheres e acordam as crianças, os avós atam-se aos vãos das portas, os pais violam as filhas, os irmãos disparam caçadeiras contra os pais, os cunhados telefonam para O Crime. E tudo durante a novela, enquanto o cheiro dos rissóis se vai entranhando no terilene dos lençóis. A família é uma instituição demasiado preciosa para se deixar destruir pela coabitação obrigatória, pela prepotência paterna e pela falta quase absoluta de privacidade. O amor é demasiado raro e difícil para se estar a esbanjar na rotina quotidiana do concubinato. É preciso salvar a família da excessiva familiaridade. A familiaridade, dizem os ingleses, gera o desprezo. O desprezo é fatal. A ansiedade dos filhos por abandonar a tirania do lar paterno é tão grande que os atira para a miséria de constituir novas famílias em quase tudo semelhantes àquela que deixaram. É um círculo vicioso.
É um vício circular. Numa concepção anarco-conservadora, que visasse proteger a liberdade dos familiares com vista à perpetuação da família, a felicidade seria uma função simples de poder pagar três rendas de casa. Ou de transformar cada assoalhada num apartamento, ou de desdobrar cada T3 em 3 T1's cada um com a sua muralha; nem que fosse de contraplacado, cada um com a sua chave. Em última análise, quando não houvesse dinheiro para isso, seria preferível misturar famílias, trocando camas de casa para casa, de modo a separar os casais e os respectivos filhos, num regime de holiday home.
A família é uma instituição que corre perigo. Com razão. É uma instituição insuportável. É uma mini-Mafia, com abraços e facadas, lágrimas e jantaradas, com a desvantagem de ser não-lucrativa. É uma pandilha permanentemente com os azeites e os óleos de Fula. É um pandemónio fascistóide. É uma Cosa Nostra que preferíamos que fosse Dotra pessoa qualquer.
É preciso avançar para a família do futuro: para as cooperativas sanguíneas, onde cada um tivesse o seu cantinho, onde as crianças se considerassem adultas aos 12 anos, os adultos recuperassem a irresponsabilidade da adolescência aos 35 anos e ninguém estivesse com ninguém sem que lhe apetecesse estar. É preciso reinventar a família como uma comunidade multi-etária de compinchas livres e respeitadores. De modo a mais ninguém poder sujeitar os parentes encarcerados à sua opinião sobre a recandidatura de Mário Soares, ou descascar uma só laranja em frente do televisor, ou despir uma só peúga que fosse, ou cortar as unhas dos pés na presença de menores, ou dar impunemente, em plena sala de estar, no seio da família, um único e preguiçoso pum. E, em vez de pedir desculpa, sorrir e pedir que alguém lhe passe a TV Guia.»
Miguel Esteves Cardoso
segunda-feira, dezembro 10, 2007
A pele arde-me a cada instante.
Sempre gostei da água a escaldar. Mesmo que deixe manchas vermelhas na pele. E pouco tempo depois, as pontas dos dedos enrugadas. E a pele ainda a arder.
(Não só as imagens. Incendeiam-me demasiado as vozes e os cheiros. A tua voz. O teu cheiro.)
Arrepio de olhar. O vislumbre. A troca de olhares tem o peso de montanhas. Instantes demasiado brutais, uma força que me esmaga as entranhas. Consomes-me.
É tudo por hoje. (Foi tudo durante demasiado tempo.)
quarta-feira, outubro 31, 2007
terça-feira, outubro 16, 2007
segunda-feira, setembro 03, 2007
Verdades diversas
E os teus espasmos psicológicos são claustrofobia (medo de te fechares dentro de ti própria) - a solidão palpita no trilho que escolhes e agarras-te à efemeridade dos teus momentos. Mas isolas-te por escolha, teimosa e orgulhosa, numa redoma que fazes questão de construir. Como te sei e como te compreendo.
Calcas a ferida e sabes como é insustentável o teu mundo platónico, a disparidade dos teus sonhos e do teu ser. Não ousas ser o que sonhas, escorrem-te as oportunidades das mãos e o ímpeto fecha-se no pensamento.
Talvez saibas que a sorte não está do teu lado, embora te esqueças que essa necessita de ser alimentada, que as tentativas não são em vão, que elas te agarram e libertam. Seguir em frente não é uma opção, impõe-se; no entanto, continuas a preferir viver de ilusões precárias, de vislumbres e sorrisos - são as tuas verdades múltiplas, o teu pequeno mundo de faz de conta.
As incertezas apunhalam-te, em pequenas convulsões; contudo, a tua morte é lenta. Escolherias a certeza definitiva, mas falta-te a coragem para a arrancares - it's better to burn out than to fade away - doeria menos.
E continuas a preferir não pensar. És quase feliz quando fechas os olhos e constróis a tua ilusão. Sofres mais, mas é mais fácil. Ser forte costuma custar mais e a tua cobardia alastra-se como cancro (será possível o cancro da alma?). Deitas-te nos teus lençóis de mentira (diversidade de verdade, que eufemismo!) e é quase perfeito. Tudo quase perfeito.
quarta-feira, agosto 15, 2007
You should never be afraid
That I was loved for who I am
And missed the opportunity
To be a better man»
Muse, Hoodoo
quinta-feira, junho 28, 2007
quarta-feira, junho 20, 2007
Palavras
«Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.»
domingo, abril 08, 2007
Sem Nenhum Título
Não temas a vida. Não tentes amordaçar as veias que sentes pulsar. Não adianta que te escondas, nunca ouviste falar em destino? Os cépticos chamam-lhe coincidências. (Que estranho. Eu chamo-lhe coincidências.)
Basta um passo em frente, e podes ganhar o teu mundo. Podes merecê-lo. Podes senti-lo, como algo indubitável. Podes cair e nunca mais te levantares.
Mas a chama extingue-se e perco a vontade. Acampamento de mim mesma, estendal de sofismas enredados. Escorrem os sonhos e os versos, caídos a meio caminho do Éden. Agrafadas as promessas por cumprir, calcadas as palavras e borradas de repetição e lágrimas. Páginas de não sentimentos, de orquídias por colher, de colares de contas, de acordes improvisados e decorados, de beijos e fotografias, de saudades e euforia, de cobertores de ternura, de chapéus de Sol e liberdade.
Faltam-te os goles largos do perigo, das fronteiras longínquas onde se desenha o sonho. Porque só no horizonte podemos concretizar o desejo. Ele reconstrói-se e dissimula-se, como a linha que vemos. Falta-te o brilho da insanidade, o impulso. Algo que te imobilize e te faça correr atrás.
Falta-me ele.terça-feira, março 27, 2007
Se me abraçares, não partas.
uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre
e sonha com viagens na pele salgada das ondas.
Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão
das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;
mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,
porque o ar que respiras junto de mim é como um vento
a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces -
o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno
nos dias sem ninguém - longe de ti, o corpo não faz
senão enumerar as próprias feridas (como a falésia conta
as embarcações perdidas nos gritos do mar); e o rosto
espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.
Se me abraçares, não partas. »
domingo, março 11, 2007
Vai, que o mundo já não é teu
Pisaste-me os nervos e nem quis acreditar quando fechaste a porta. A tua mania de bateres sempre com a porta, de quereres sempre que a tua partida seja notada, sofrida, ruidosa. Será que ainda não descobriste que já não me consegues tocar, que os teus gritos são meros suspiros que se perdem a meio da vontade? E a tua essência perdeu-se em mim, um odor indiferente, uma voz sem timbre, sem agudos nem graves, palavras sem sentido, sem sentir, palavras como ruído que não me consegue trespassar.
Lava-me a alma. Ainda cheiro a noite e a água não consegue arrancar de mim o cansaço ou a dor. Despoja-me de culpa, arranca-me a indiferença, as vestes que sempre me cobriram. Proteger não é abafar. Acolher não é esconder, disfarçar.
E vai, que o mundo já não é teu. Já não há nada aqui que possas magoar ou prender. Amparar ou esconder. Podes bater com a porta, ou deixar a janela aberta. Sei que ainda te lembras de como tenho sempre frio e medo dos fantasmas, mas já não me importo. É hora de me mostrar forte por outro caminho, que este cheira a podre e não há nada que me possa salvar. Salva-te a ti mesma, dirias tu. Mas na impossibilidade de fugir, sei-me perdida em algo que nunca foi meu, aspiração ilusória de ser, de querer sentir. A simbiose inalienável de sentir e sofrer. Existência e dor. O pedaço que me falta. Envolver-me e partilhar.
Mas podes partir, que este já não é o teu mundo. Encontra algum que possas trespassar, que possas voltar a ferir. Um que possas salvar, mesmo que nunca o faças.
terça-feira, março 06, 2007
domingo, fevereiro 04, 2007
quarta-feira, janeiro 31, 2007
Tentar
Quando o tempo nos deixa a sua marca, e perdemos tudo o que um dia chamámos nosso, o único consolo é ter tentado. O descanso da memória. Porque tentar é despirmos a culpa e sentirmos o prazer da liberdade. Deixarmos sentir o toque tão volátil do vazio, tão penetrante quanto frágil, tão intenso quanto ilusório. Ter tentado é mantermo-nos fiés à nossa essência, é cumprir com o que aspiramos ser, mais do que com o que somos realmente. A tentativa é a nudez menos constrangedora, mais reveladora. Nudez da alma quando já nem o orgulho nos consegue cobrir. É permanecermos puros, procurando o prazer pelos caminhos mais sórdidos, beijando a humilhação que nos fez o que nos tornámos. Nunca somos, tornamo-nos; é essa a premissa.
E eu despi-me perante a tua presença, na tentativa que tudo voltasse a fazer sentido de uma forma mais simples. Como poderia? Nunca fez, nunca deixaste, nunca acreditaste. Mas quando me percorreste o corpo ao som daquela chuva, diz-me, que estavas tu a tentar fazer?
segunda-feira, janeiro 29, 2007
quarta-feira, janeiro 17, 2007
sexta-feira, janeiro 12, 2007
Não somos iguais a nós mesmos
sábado, dezembro 23, 2006
Nadas decompostos
Nunca quiseste acreditar e fizeste-me esquecer de tudo quanto um dia não fomos. Evaporam-se os sonhos e ainda me lembro quando contava os dias para o Natal... Tudo o resto pode desaparecer nas armadilhas da memória, mas isso há-de ficar. Um sorriso de verdade e a pureza (que agora me cái aos bocados como carne podre - e já nem sangro!)
Nunca foi completa, nunca o pôde ser, mas sempre foi demasiado ingénua. E cái a pureza, fica a ingenuidade nua e arranhada - agora, estupidez - que se transforma tão rapidamentes em algo um pouco (mais) cruel. Não é o ódio que borbulha nas entranhas já podres, mas um plácido sorriso de indiferença.
Perdemo-nos na neblina de mais uma alvorada. Porque nunca fomos de mãos dadas. Hábito de orgulho, se calhar era por isso que tínhamos sempre as mãos geladas... E por mais que decomponha todos os instantes, é difícil recordar-me de alguma coisa. Só de um sorriso, e sei bem que não era o meu. Mas lembro-me que contava os dias para o Natal e gostava de rondar a árvore para descobrir o que estava dentro dos embrulhos. Nunca cheguei a descobrir, nem aquele que tinha o papel rasgado na ponta. E um sorriso que não era o meu. Confundo os momentos, anos baralhados, mas disso tenho a certeza. Como tenho a certeza do teu sorriso, mas acho que já o disse...
E chegaram a falar-me de uma chama verde, verde de esperança, orgulhosamente acesa. E quis acreditar. A crença é a vontade. Mas todos esses pedacinhos de coisas nenhumas um dia hão-de juntar-se e fazer qualquer sentido. Por agora, ninguém disse que tinha de ter algum sentido, alguma razão de ser, razão de acontecer. Coicidências perfeitas. Acaso. Desiquilíbrio até à exaustão.
Mas tu sabes bem que existem tantos caminhos como linhas quebradas e que destino é uma palavra vazia. Mais uma ilusão. E só nos resta a esperança. Perdemo-nos na neblina de mais uma alvorada. Devíamos era aprender a sorrir com a alma.
Mesmo assim, ainda te peço que me ensines a dar as mãos.
quinta-feira, dezembro 07, 2006
Desarmoniosa sensação
são dois pares e meio de asas.
- Como quereis o equilíbrio?
terça-feira, dezembro 05, 2006
sábado, novembro 18, 2006
quarta-feira, novembro 08, 2006
sexta-feira, outubro 27, 2006
Os Fantasmas
Mas ficou provado. Os fantasmas existem. Tu ainda existe, igual a ti mesmo. Igual aos tempos em que brincávamos com flores na cabeça e tu me contavas estórias de aventuras que eu não podia perceber. Estiveste lá, a fotografia do passado e da melancolia. O espelho de mim mesma, as alegrias borradas, as paixões salpicadas e sempre a solidão em plano de fundo. A mancha que não se contem, que abafa todos os brilhos e todas as tentativas de fuga.
E reflectiste tudo o que eu não queria saber. Porque é que me contaste as lágrimas e os silêncios? As fugas e as hesitações? (Não podias apenas ter falado das gargalhadas e das conversas? Da vida e dos raios de Sol? Mas respondeste-me que espelhavas o real, não as minhas mentiras, que só te cabia a verdade e que os raios eram demasiado pequenos e efémeros, como sempre o foram. )
Talvez tenha sido apenas uma brisa. Uma janela que se abriu e o vento que sussurou mais alto. Nestes dias de temporal a chuva também tem a mania de nos falar baixinho. Talvez tenha sido ela, num lampejo de gozo, dançando na ferida aberta. Ou quem sabe uma ilusão, dessas que nos fazem rir e chorar ao mesmo tempo, uma fúria desesperada, tentando agarrar a minha alma, tentando arrancar-lhe a lucidez da razão.
Mas mesmo assim, eu teria jurado que tinha encontrado o teu olhar por um instante.
segunda-feira, outubro 16, 2006
A Outra Carta
Era de noite e as ruas estavam cheias. Noites de Verão, cafés e um cheiro a festa no ar. Agitação e sempre uns copos a mais. Um dia como tantos outros e ainda não era muito tarde. E lá estavam eles os dois, a passear muito devagarinho. Era um casal, e já deviam ter os seus 70 e tal. Ela, agarrada a ele, baixa e curvada, num esforço a cada passo, mas sempre o mesmo sorriso. Ele, calvo e enrugado, tentando protegê-la e segurando-lhe o braço, como se pudesse travar a passagem do tempo. Tão unidos, na sua alegria passiva, caminhando para casa, gozando cada passeio, cada sorriso e cada palavra.
Seria amor o que os unia? Não sei. Talvez habituação, muita paciência e um pouco de carinho. Não será isso amor? Quem consegue desmenti-lo? (E se fosse o caso, talvez tivessem mesmo conseguido parar o tempo...)
Deslumbrei-me ao vê-los e não consegui deixar de pensar em nós. Teríamos conseguido sobreviver? Que seria da nossa paixão, da nossa loucura desmedida, dos risos e dos abraços, das nossas excentricidades ao 70 anos? Seriam paciência, habituação e simplesmente carinho? Seríamos amor?
Sonhei, um dia, que sim. Sim, eu cheguei a pensar em família, filhos e, até, em netos. O primeiro ia ser um rapaz, Gabriel, como o anjo, a rapariga Sara. Os outros nomes podias tu escolher (porque , sim, íamos ter uma verdadeira equipa de futebol). Oh, e nem me perguntes como fui imaginar isto tudo, mas recordei-me de tanta coisa quando vi aquele casal. Quis tanto que fosse o nosso futuro. Quis tanto que até doeu.
Não sei como fomos capazes de continuar, de nos ignorarmos, de sorrirmos placidamente. A ditadura das conveniências, dizem. Porque tudo se resume às aparências. Mas não consigo deixar de negar a aparência do brilho nos teus olhos, do riso branco e das frases suspiradas. Não podiam ser aparência, eram verdades. Eram o absoluto do real.
Realidade em bruto.
Dizem que os segredos mais escondidos são aqueles que nem nos atrevemos a contá-los a nós próprios. E é verdade. Todas as mentiras que eu contava, acreditava nelas, fazia parte delas. Mas, à medida que te escrevo esta carta surgem lapsos de feridas que saltam no caminho das minhas palavras, me estonteiam e me fazem descobrir o quanto falhei, mais do que a ti, a mim próprio. Os pensamentos que encontram o fio condutor, as mentiras que se desfazem e uma dor que me faz falta a crescer dentro de mim. E uma vontade cada vez maior de chorar (e foste a única por quem alguma vez chorei). E quantas vezes queria voltar atrás, tantos erros e segundos desperdiçados em que podia ter tentado mais uma vez. Mas a cobardia sempre esteve lá e tu sabias bem disso...
E quantas vidas, amores, dias e odores nos hão-de passar despercebidos? E amava-te, sim, em cada rumor dos teus passos e no mais efémero toque na tua pele. E até te confesso que aquelas canções lamechas (melodias repetidas, letras invertidas) me faziam sorrir estupidamente. Ritmos inquietos, alma acorrentada que, de qualquer forma, se conseguia espelhar numa voz nostálgica e longínqua (e sempre o acorde da guitarra a tocar mais fundo).
Porque os sonhos que me atormentam avivam-se e retocam-se durante o dia. São os momentos de um Inverno perdido que se aperfeiçoam com o tempo, cada vez mais distantes, cada vez mais melosos. Aquele frio tão quente que nos percorria o corpo num arrepio de ternura culminando nas mãos dadas ou noutro abraço. Nos beijos mais longos e na sintonia de mais um olhar. Era tudo tão perfeito, na mais pura simplicidade e nem sabes o quanto me arrependo de não o ter percebido mais cedo. Porquê esta mania do tempo tornar todas as recordações mais simples e perfeitas? Maldita ilusão que só nos faz desejar o passado... Maldita dor que só me faz querer o teu presente!
E escrevo, escrevo, não consigo deixar de escrever. Escrever como despejar sentimentos porque chorar turva-nos a vista e a razão e escrever ilucida-nos. Chorar dói no rancor de recordar, escrever é pura melancolia. Chorar entorpece, enfraquece-nos, escrever faz-nos cada vez mais fortes. Mas nenhuma força, nenhuma vontade poderiam quebrar a mágoa de te ter deixado partir, a culpa de termos seguido caminhos separados.
quinta-feira, outubro 12, 2006
Distância nas entrelinhas
- Mas ainda não te percas hoje. Faz sol lá fora, e eles dizem que há muito mais para viver.
«Dizes-me até amanhã
Que tem de ser que te vais
Porque amanhã sabes bem
É sempre longe demais»
«Have I run too far to get home?»
E a única coisa que me atrái é a mudança, só a mudança.
terça-feira, setembro 26, 2006
NovArte 2006
• Os autores deverão enviar os seus trabalhos até 20/10/2006, em suporte digital (fotografias, digitalizações, ficheiros de texto?) para o seguinte endereço de e-mail, a fim de ser efectuado o processo de selecção: novarte2006@gmail.com .
terça-feira, setembro 19, 2006
sexta-feira, setembro 15, 2006
Cansaço
Deixem o tempo descansar.
quarta-feira, setembro 06, 2006
Pingas de sonho
Se eu as pudesse agarrar, sentir. Se eu as soubesse viver.
As pingas de sonho desvanecem-se e evaporam-se no quotidiano.
Se eu as conseguisse prender, mantê-las para sempre assim.
As pingas de sonho chovem, alagam e tornam-se demasiado pesadas.
Se eu as alcançasse mais simples, mais finas, mais perfeitas.
As pingas de sonho aproximam-se e afastam-se, baloiçando sempre.
Se eu soubesse dar-lhes a harmonia do real.
E elas fogem, voam.
Se eu as pudesse tornar minhas.
quarta-feira, agosto 16, 2006
Pretéritos imperfeitos
De mais um início de Verão,
E eu nem tive tempo para me despedir.
Levaste as palavras rasgadas
Que um dia me prometeste.
Esqueceste, talvez, os instantes
De demasiados anos juntos
De demasiados prantos e risos
De demasiada vida amarrada.
Queimaste qualquer emoção
Toda a vontade, e todo o desejo
Na tua ânsia de fugires.
Lavaste-me a alma,
Mas deixaste-a molhada
(E sabes bem como eu morro de frio).
Desapareceste sem demora
Sem um último beijo meu
E nem soubeste o quanto me doeu.
*
quarta-feira, agosto 02, 2006
As Tuas Pinceladas
Que pincél era esse que eu nunca te via usar? E há pinturas que nos dão mais relevo, que nos ensinam a cada gesto e nos preparam para as cores finais. E há aquelas que estragam tudo. Destróem tudo o que estava escrito, borram a pintura, rasgam a tela e criam feridas que nenhumas imagens podem sobrepor.
Há manchas que nos marcam e escolhem, para sempre, a cor do nosso olhar. Que nos tocam tão fundo, que nenhuma camada consegue sobrepor. Gestos que se interiorizam, sorrisos tatuados, vozes imaculadas que nos dão o mundo (e fazem chorar). Cores e sombras que agarramos com toda a nossa alma e geometrias que nos são perfeitas.
Pinceladas que nos ensinam, outras que nos arrasam e aprendemos muito mais. Cores que nos fazem continuar e sorrir, outras que nos dóem para sermos felizes como nunca. Contornos que nos constroem e equilibram, outros que nos roubam a harmonia e nos fazem valer a pena.
quinta-feira, julho 27, 2006
quarta-feira, julho 19, 2006
terça-feira, julho 18, 2006
As bombas de napalm
Aqui na terra a fome continua
A miséria e o luto
A miséria e o luto e outra vez a fome
Acendemos cigarros em fogos de napalm
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizémos de ti a prova da riqueza.
Ou talvez da pobreza, e da fome outra vez.
E pusémos em ti nem eu sei que desejos
De mais alto que nós, de melhor e mais puro.
No jornal soletramos de olhos tensos
Maravilhas do espaço e de vertigem.
Salgados oceanos que circundam
Ilhas mortas de sede onde não chove.
Mas a terra, astronauta, é boa mesa
(E as bombas de napalm são brinquedos)
Onde come brincando só a fome
Só a fome, astronauta, só a fome.
José Saramago
Guernica, Pablo Picasso
E quantas mais bombas? Quantos mais inocentes? Quantas vidas desperdiçadas?
Quantas crianças mortas, espalhadas pelo chão?
Até quando, a miséria, a fome?
(Para quando Velho do Restelo, para quando a tua apocalíptica profecia?)
domingo, julho 16, 2006
Em nome do Amor Puro
O que eu quero fazer é o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Teixeira de Pascoaes meteu-se num navio para ir atrás de uma rapariga inglesa com quem nunca tinha falado. Estava apaixonado, foi parar a Liverpool. Quando finalmente conseguiu falar com ela, arrependeu-se. Quem é que hoje é capaz de se apaixonar assim?
Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato. Por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há. Estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia,são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá tudo bem,tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides,borra-botas, matadores do romance, romanticidas.
Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o medo, o desequilíbrio, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade.
Amor é amor. É essa a beleza. É esse o perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A"vidinha" é uma convivência assassina.
O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente.
O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita. Não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar. O amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.
Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.
Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder, não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.
Adoro este texto,
mas já não o lia há muito tempo.